Por Pedro Diniz
A cantora Beth Ditto, líder do The Gossip
(Foto: Kim Jakobsen To)
Até conquistar seu "mundo perfeito", Beth Ditto teve de carregar uma "cruz pesada" em um "mundo cruel". Mulher, lésbica e bem acima do peso ideal (110 quilos em 1,57m) para quem almeja destaque na indústria do entretenimento, desafiou "quem dissesse o que deveria fazer" para chegar ao olimpo do "showbiz".
"Mesmo que isso não significasse rebeldia, e sim controle sobre a vida", diz à Serafina.
Ao subverter o estereótipo da gordinha recatada, que quiseram lhe enfiar goela abaixo, fez de si mesma --e, de quebra, do trio indie rock Gossip, do qual é vocalista-- referência para jovens de todo o mundo.
Lady Gaga, de quem se diz fã, ainda nem havia pintado os cabelos quando o grupo estourou com "Standing in the Way of Control", single do álbum homônimo, lançado em 2006.
Já Adele, a quem a mídia costuma compará-la pelo tamanho dos vestidos, ainda postava demos na internet.
O quinto disco da banda, "A Joyful Noise" (algo como "um barulho divertido"), lançado neste mês, é uma espécie de libertação para a americana nascida no Arkansas. Coproduzido por Mark Ronson, ex-produtor da cantora Amy Winehouse, resulta da boa fase que Beth, aos 31, atravessa.
Foi escalada para cantar ao vivo na abertura do Festival de Cannes --interpretou a canção "Candle in the Wind", de Elton John. E, desde que foi lançado, o clipe da primeira música de trabalho de "Joyful Noise", "Perfect World", já soma 2 milhões de visualizações no YouTube.
"Vivi um relacionamento problemático por nove anos [com o DJ transgênero Freddie Fagula] e o sofrimento pautou várias músicas dos últimos três álbuns da banda. Agora, as canções são sobre ser feliz", afirma, com a ponta de ansiedade característica de quem pisa em um terreno ainda desconhecido.
Volta ao lar
Ela planeja se casar daqui a um ano com sua ex-assistente, Kristin Ogata, e volta ao lar ("que é o Gossip"), depois de lançar no ano passado o EP solo "Deconstruction".
A empreitada solitária, de quatro faixas, não chegou perto da repercussão de "Music for Men" (2009), que vendeu um milhão de cópias e traz a catártica "Heavy Cross". A faixa foi, por muito tempo, a cereja do bolo dos DJs de baladas LGBTS.
Ser lésbica, aliás, é uma bandeira que Beth Ditto faz questão de levantar, principalmente "por estar incluída numa indústria musical preconceituosa como a americana".
"Preciso falar sobre isso. Ser lésbica ainda é um tabu, por mais que as pessoas insistam em fingir que não. Há milhares de homossexuais na música, muitos deles ainda no armário, devido à homofobia. Que há, inclusive, de artista para artista", protesta.
E vai além: "As pessoas imaginam os EUA como um país em que há bastante liberdade criativa, mas são, na verdade, o mercado mais difícil para homossexuais se firmar".
Sua língua solta, ela sabe, fez muita gente torcer o nariz e dificultou a entrada da banda no mercado. "Alguns tiveram medo de investir na gente. Sei que minhas atitudes [ela já causou polêmica ao dizer que a 'pop star' 'Katy Perry é uma ofensa à cultura LGBT'] afetam a forma com a qual o Gossip é visto. Definitivamente, não somos a banda mais popular da América."
Ironicamente, foi num dos mundos mais cruéis com quem, por exemplo, canta de lingerie ostentando os quilos a mais, como já fez no palco, que ela tirou a sorte grande.
Beth é tida como ícone da indústria da moda e virou musa dos top estilistas Karl Lagerfeld, da Chanel --que desenhou roupas para ela--, e Jean Paul Gaultier. Para o último, de quem é amiga, cantou em seu desfile de verão 2011, na semana de moda de Paris.
"Você nunca vai me ouvir dizer que sou ícone de algo. Hoje, todo mundo é ícone fashion. Na indústria, funciona assim: você não sabe cantar, mas sua aparência é impecável! É mais difícil parecer natural do que louco. Ícone mesmo, pra mim, é [a cantora] Patti Smith, que era punk quando o punk não significava horas no espelho cuidando do visual", reflete. Mas admite: "Na moda, me sinto em casa. Há muita gente excêntrica como eu. Olha só o Jean [Paul Gaultier], ele é assim".
Cosméticos
Se sente em casa e, de quebra, ganha uns bons trocados a mais. Além de planejar o lançamento de uma grife própria de roupas "plus size" --"que já está em fase de planejamento, mas irá começar pequena"--, a cantora acaba de assinar uma linha de maquiagem para a marca de cosméticos M.A.C.
Os anos 1980, referência no visual da artista, inspiram a linha, "um sonho antigo" de Beth. "Se não cantasse, queria ser cabeleireira ou maquiadora. Quando me chamaram, aceitei na hora e pensei na [cantora e ídolo] Grace Jones, no que ela usaria no rosto."
Questionada sobre o motivo de ter sido convidada pela marca, ela solta: "Acho que se lembraram de mim e de como poderiam passar duas horas pintando o meu rosto grande".
De fato, a voz potente e rasgada talvez não produzisse o mesmo impacto se não fosse acompanhada pela imagem marcante da cantora, que diz ter "110% de controle" sobre o que veste.
"Experimento tudo. E aprecio muitos dos meus ídolos mais pelo aspecto visual e imagético do que pela música. Cyndi Lauper, Madonna, Michael Jackson: amo o pacote completo que eles trouxeram, conectando imagem e som."
Um pacote que a difere da certinha Adele --assunto proibido pela assessoria de imprensa da cantora antes da entrevista--, que, especula-se, é desafeto de Beth.
"Somos diferentes", hesita. "Ela é uma musicista, e eu, alguém que gosta de parecer um palhaço, uma 'drag queen'. Eu a admiro, o foco dela é estar na capa da 'Rolling Stone', e acho isso 'cool'. Mas eu tenho várias outras paixões além da música." Parou aí.
Polêmicas à parte, Beth Ditto agora está mais preocupada com a agenda de shows da atual turnê, que divulga o novo disco do Gossip, e que, segundo ela, "finalmente irá passar pelo Brasil".
Em 2008 e em 2010, a banda desmarcou apresentações que faria no país.
"Agora é pra valer." Ainda não há data confirmada, mas ela garante já estar procurando um sofá para dormir em São Paulo. "Pode ser o seu?"