domingo, 4 de dezembro de 2011

Mães formam grupo para lutar contra a homofobia

“Queria gritar para ouvirem a minha dor”, diz mãe de homossexual assassinado que faz parte do grupo Mães pela Igualdade

Por Fernanda Aranda

Eleonora, que faz parte do grupo Mães pela Igualdade, perdeu o filho de 24 anos vítima de um espancamento (Foto: All Out)Eleonora, que faz parte do grupo Mães pela Igualdade,
perdeu o filho de 24 anos vítima de um espancamento:
"Eu sei que só apanhou por ser gay" (Foto: All Out)
A última imagem vista foi a marca da sola de um tênis cravada no rosto desfigurado do caçula. Não deu tempo de se despedir. Ele, aos 24 anos, estava internado em um hospital de Recife, após apanhar de oito rapazes. O jovem morreu minutos depois do último contato com a mãe. Ela, na falta de palavras, só não quis ficar calada.

“Queria gritar para ouvirem a minha dor. Meu filho, meu menino, tinha sido espancado até a morte. Enquanto batiam nele, os meninos gritavam que estavam matando a franga. Eu, mãe e heterossexual, também fui vítima da homofobia”, lembra Eleonora Pereira, 46 anos, um ano depois dos ataques que mataram o mais novo de seus três filhos. “José Ricardo deixou uma saudade cheia de revolta”, diz.

Crime e pavor
Nestes 12 meses que passaram, Eleonora encontrou outras “vítimas secundárias” da intolerância contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Mulheres que tinham perdido seus filhos em crimes de ódio ou que conviviam com o pavor deles, a qualquer momento, entrarem para estes números. Só nos três primeiros meses do ano, conforme mapeou o Grupo Gay da Bahia (GGB) foram catalogados 65 assassinatos contra LGBTs. No início desta semana, um casal gay foi agredido em São Paulo, perto da Avenida Paulista.

“Decidimos que era nossa hora de sair do armário para lutar contra o preconceito criminoso que ameaça nossos filhos”, diz Raquel Gomes, 50 anos, moradora de Curitiba e mãe de Marcus, 21, que revelou gostar de meninos para a família aos 16 anos.

Eleonora, Raquel e outras 43 mulheres de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e Bahia decidiram então formar o grupo Mães pela Igualdade. Inspirado em outros movimentos que já envolveram a maternidade em causas sociais - como o argentino Mães de Maio (na briga contra os desaparecidos na ditadura) - elas foram ao Congresso Nacional na última semana para fazer o lançamento da campanha.
“Quando eu li a frase de um deputado (Jair Bolsonaro, em declaração à Revista Playboy) dizendo que preferia ter um filho morto em um acidente de carro a um filho gay, imediatamente pensei nas mulheres que perderam seus filhos para a homofobia”, afirma o cientista social Joseph Huff-Hannon, que trabalha em uma organização internacional em favor dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, chamada All Out.

“Disparei emails para as mães brasileiras de gays que eu já conhecia e elas replicaram a outras mulheres que viviam os dramas de forma anônima. Em duas semanas, estava formado o Mães pela Igualdade”, diz o idealizador.

Luiza, mãe de Fernando, conta que fica muito aflita sempre que o filho sai de casa (Foto: Divulgação/All Out)Luiza, mãe de Fernando, conta que fica muito aflita
sempre que o filho sai de casa (Foto: All Out)
Bilhetes e revelações
No correio eletrônico e nas mensagens trocadas, as Mães pela Igualdade encontraram mais do que o temor em comum em perder seus filhos. Elas partilharam também a dificuldade que foi ouvir de seus rebentos que eram LGBTs. “Eu me senti culpada, achei que tinha mimado o Marcus demais. Depois pensei que era uma fase. Fiquei perdida, não sabia o que fazer”, lembra Raquel.

Maria, mãe de Carla Amaral – transexual que está na fila de espera para fazer cirurgia de mudança de sexo em um hospital público- também resistiu em aceitar as formas femininas que passaram a cobrir 'seu filho caçula'. “Minha mãe já cortou meu cabelo a força, virou o rosto para mim. Hoje, me emociona saber que ela se tornou ativista e que dá a cara para me proteger”, conta Carla Amaral.

Luiza Habibe, advogada de Brasília, não ficou contra quando o filho Fernando, hoje com 19 anos, contou que era gay. “Sempre soube disso. Ele nasceu gay. E já tinha sofrido tanto. Mudou de escola seis vezes, sempre porque era humilhado pelos colegas. Quando ele me contou, eu só o abracei. Forte. E fiquei com medo da violência que ele podia enfrentar na rua”, diz Luiza.

“Cada notícia de ataques de ódio, cada vez que o Fê sai para comer uma pizza, o meu coração fica em sobressalto. A gente apanha junto quando os homossexuais são espancados. Eu reconheci a dor quando a filha de uma vizinha nossa foi apedrejada na rua pelo simples fato de andar com bermudões e ter o cabelo curtinho”, conta.

Figura de mãe
Wanderson Mosco, 31 anos, um dos organizadores do Mães pela Igualdade, acredita que todas essas angústias vividas isoladamente podem alimentar a mobilização em comum que pede a criminalização da homofobia.

“A nossa sociedade é machista, mas ainda assim a mulher sempre foi a figura central das famílias, a espinha dorsal”, diz ele. “E quando elas se mostram também reforçam que os gays, travestis e lésbicas têm família, têm raízes e valores. Não são só promiscuidade, pedofilia ou bagunça como gostam de reforçar por aí”, diz Wanderson que, ele próprio, não tem uma plena relação materna. “É cheia de vácuos, falta vínculo, não ficamos à vontade um com outro. E foi assim desde que eu contei ser gay.”

Retratos
O primeiro ato das mães que “já saíram do armário” foi divulgar os retratos de família. Fizeram uma exposição fotográfica em que posam ao lado de seus filhos, para mostrar o carinho, dedicação e amor, prosaico em qualquer casa.

Eleonora Pereira aparece sozinha entre as fotografias. “É como eu fiquei sem o meu Zé. Representa a ausência do abraço quando eu chego do trabalho.” O processo sobre o assassinato de José Ricardo Pereira segue em segredo de justiça. “Mas a minha dor agora não é mais escondida. Que a morte dele ajude a salvar a vida de outros gays e de outras mães.”

Estudo do Unicef assegura: “educação de qualidade pode erradicar homofobia”

Esta é a conclusão do estudo "Crianças e adolescentes e discriminação”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef, lançado neste mês no Chile

A educação de qualidade é capaz de erradicar a discriminação e, em especial, a homofobia. Esta é a conclusão do estudo "Crianças e adolescentes e discriminação”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef, lançado neste mês no Chile. A pesquisa foi feita com 1.614 crianças e adolescentes do 7º ao 4º médio de Iquique, Santiago, Concepción e Temuco para conhecer os principais preconceitos e detectar os níveis de discriminação no âmbito escolar.

O estudo constatou que a discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais é mais intensa em escolas públicas do que em escolas particulares subsidiadas e particulares pagas. O Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movilh) comemorou o resultado.

"Esta situação demonstra em primeiro lugar que é possível reduzir todo tipo de discriminação, inclusive a homofobia, através de uma educação de qualidade, pois é claro que maior conhecimento e capacidade para resolver conflitos, assim como melhor compreensão do ambiente que nos rodeiam, a ignorância, os temores e os preconceitos diminuem, beneficiando-se a diversidade social e a sociedade como conjunto”, apontou o Movilh.

A pesquisa foi feita por meio de perguntas sobre diversos temas, entre eles, orientação sexual. Os/as alunos/as responderam questionamentos como: Os gays e lésbicas não deveriam ser professores/as, pois é um risco para as crianças? Neste caso, 39,5 % responderam estar ‘de acordo’ ou ‘muito de acordo’. Dois pontos a menos que em 2004. Na mesma consulta, o resultado foi de 49,4% para menores de 14 anos, de 32,3% para maiores desta idade, 48,8% em escolas municipais (EM), 37,5% em particulares subsidiadas (PS) e de 29,8% em particulares pagas (PP).

Sobre a afirmação ‘Os gays e as lésbicas são pessoas sem moral’, 32,7% dos consultados afirmou estar ‘de acordo’ ou ‘muito de acordo’. Este número sobre para 42,7% entre os menores de 14 anos e baixa para 25,3% entre os maiores. Esta mesma afirmação resultou em cifras de 43,7% em EM, 30,2 em escolas OS e 22,1% em PP.

Para o Movilh, a diferença de resposta entre os alunos menores e maiores de 14 anos se explica pelo fato de que "à medida que as pessoas crescem vão recebendo mais informações”.

As respostas para a frase ‘Parece-me bem que gays e lésbicas ocupem cargos de importância’ foram as seguintes: 60,2% estão de acordo, 54,2% entre os menores de 14 anos; 64,4% entre maiores dessa idade; 57% em estabelecimentos municipais; 60,4 % em particulares subsidiados e 66% nos particulares pagos.

Sobre as brincadeiras mais comuns no âmbito escolar, dos 1.614 consultados, 33,3% afirmaram já haver chamado outros alunos de "maricón, gay ou camiona”. Para o Movimento, estes dados "demonstram a urgente necessidade que as políticas do Ministério da Educação contra a violência escolar, que desde o ano passado consideram à diversidade sexual, sejam colocadas efetivamente na prática e intensifiquem suas ações”.

O Movimento de Integração e Libertação Homossexual assegura que sua parte continuará sendo feita. "Continuaremos com nossos debates nos estabelecimentos educacionais, assim como com a distribuição do manual "Educando na Diversidade, Orientação Sexual e Identidade de Gênero nas Aulas”, que já está em mais de 400 colégio e liceus de todo o país e vem dando resultados exitosos”.